Nas últimas décadas, a oncologia tem experimentado grandes avanços, incluindo melhores técnicas diagnósticas, tratamentos mais modernos, com menos reações adversas e maiores ganhos em sobrevida (1). Além do diagnóstico e do tratamento inicial, o número de pacientes sobreviventes de câncer tem aumentado e a preocupação com o futuro, qualidade de vida e readaptação destes pacientes tem aumentado (2). Tais avanços têm acontecido graças ao desenvolvimento de novos ensaios clínicos, que oferecem ao paciente a oportunidade de experimentar novas tecnologias ainda não aprovadas pelas autoridades de saúde. Desta forma, quando os novos tratamentos se mostram comprovadamente benéficos através dos estudos clínicos, e graças ao apoio da comunidade científica e dos pacientes participantes de pesquisa, estes tratamentos podem ser incorporados e aprimorar o tratamento de muitos outros pacientes na nossa comunidade. Nos últimos anos, e notadamente durante a pandemia de COVID-19, a importância de uma forte atuação da pesquisa clínica com objetivo de solucionar problemas de saúde na comunidade e a necessidade de combater disseminação de notícias falsas foram motivo de destaque na imprensa e nas redes sociais. Neste cenário, o instituto COI, como exemplo de instituição tradicional em pesquisa clínica, há anos procura fornecer informações de qualidade e conduzir estudos clínicos com rigor metodológico, com objetivo de melhorar a saúde da população.

Entretanto, sabemos que apenas conduzir estudos clínicos não é o bastante. Dentro dos protocolos de pesquisa nos é permitido incluir apenas os voluntários que obedeçam determinados critérios de seleção. Isto acontece pois estamos trabalhando com tratamentos ainda sem comprovação científica determinada, portanto, o paciente deve ser aquele com maior chance de resposta e com menos risco de sofrer os efeitos adversos do tratamento. Por questões éticas muito bem estabelecidas no Brasil e no mundo, a segurança dos pacientes deve estar em primeiro lugar. Além disso, cada país e cada cultura tem a sua particularidade. Não sabemos quais medicamentos desenvolvidos no mundo ocidental podem ser benéficos para asiáticos por exemplo, ou testes modernos que exigem alto custo podem não se aplicar a países subdesenvolvidos. Neste cenário, os estudos de mundo real têm o objetivo de relatar à comunidade científica o real benefício dos tratamentos incorporados e a aplicabilidade destes tratamentos na nossa sociedade. E podemos ir ainda mais além com estes questionamentos. Algumas vezes notamos que tratamentos de alta tecnologia oferecem mais tempo de vida ao paciente, mas não necessariamente este tempo vem acompanhado de maior qualidade. Qual o real benefício do tratamento que eu proponho ao meu paciente? Quais são os objetivos de vida daquela pessoa que está sendo acompanhada? Devo focar no que parece melhor sob meu ponto de vista ou devo deixar meu cuidado centrado no paciente?

Atualmente existe uma comunidade internacional desenvolvida por professores de Harvard que padroniza medidas de qualidade em saúde, focando em medidas de desfechos satisfatórios na percepção do paciente (da tradução do inglês, “patient-reported outcomes measures”). Esta iniciativa chamada ICHOM (International Consortium for Health Measurement) foi idealizada em 2006, e desde então tem o objetivo de estabelecer parâmetros globais de qualidade e, consequentemente, criar uma percepção de quais são as medidas que realmente têm valor na assistência em saúde (3). Basicamente precisamos entender o que realmente importa na saúde, na visão não apenas do profissional, mas também daquele que está sendo cuidado.

Desde 2016 o Instituto COI segue a metodologia ICHOM. Nossa equipe possui um banco de dados de evidências científicas e periodicamente acompanha os pacientes tratados nos centros oncológicos do grupo Américas Oncologia. Durante este acompanhamento são coletados dados relacionados à doença oncológica e à qualidade de vida dos pacientes em tratamento ou sobreviventes de câncer. São incluídos pacientes que se voluntariam a responder os questionários de qualidade de vida padronizados pela ICHOM e que autorizam a coleta dos dados e os resultados do tratamento empregado, sem qualquer tipo de identificação pessoal. Através destes dados já conseguimos extrair alguns resultados relevantes, como aqueles publicados em revista científica sobre câncer de mama em 2018 (4) e sobre câncer de pulmão em 2021 (5), dentre outras.

Sobre os pacientes com câncer de mama tratados em nossa Instituição, dados publicados em 2018 mostram que a maior parte das pacientes se apresentam com doença sem evidência de metástase, um dado compatível com a literatura mundial, mas ainda distante da realidade na saúde pública, mostrando as discrepâncias existentes em nosso país. Além disso, foi possível observar uma maior taxa de tratamentos conservadores quando comparados aos relatos prévios, como é o caso das cirurgias menos agressivas, sem prejuízo nos resultados. E finalmente, o estudo confirma a importância do diagnóstico precoce para aumentar as chances de cura com menores toxicidades e enfatiza a necessidade de acesso a tecnologias na saúde pública bem como a necessidade de investimentos em dados de mundo real neste setor.

Mais recentemente, foi publicado na revista Future Oncology nosso primeiro resultado em qualidade de vida e desfechos reportados pelo paciente, desta vez em pacientes com câncer de pulmão. Foi possível observar que pacientes com doença avançada (estágio IV) se apresentam com uma maior carga de sintomas como fadiga e dor, além de menor capacidade de exercer suas atividades ou ter uma vida próxima ao normal, medidas pelas escalas de funcionalidade física, social e global. Entretanto, durante o tratamento houve estabilidade ou melhora dos sintomas, incluindo desde a tosse e a dor até melhoras funcionais e emocionais. De maneira interessante e inovadora, dados sugerem que alguns sintomas relatados pelo paciente nos questionários podem ter mais impacto nos resultados do que aqueles relatados pelo médico em prontuário.

Com isso, não há dúvidas de que o registro de dados de mundo real, incluindo cuidados centrados no paciente, valorizando a percepção do mesmo sobre o seu tratamento, é um importante caminho para aprimorar a assistência à saúde.

Referências:

  1. https://ourworldindata.org/cancer
  2. https://www.inca.gov.br/imprensa/pacientes-que-sobreviveram-ao-cancer-e-familiares-adotam-habitos-mais-saudaveis-de-vida
  3. https://www.ichom.org/
  4. Boukai A, Gonçalves AC, Padoan M, et al. Outcome of Patients with breast cancer treated in a private health care institution in Brazil. J Glob Oncol. 2018 Sep; 4:1-10. doi: 10.1200/JGO.17.00143
  5. Araujo LH, Baldotto, CS, Monteiro MR, et al. Patient-centered outcome in non-small-cell lung câncer: a real-world perspective. Future Oncol 2021 Feb 25.doi: 10.2217/fon-2020-0991.